A NOVA GEOPOLÍTICA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

A NOVA GEOPOLÍTICA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO


Ronaldo Mota Sardenberg *

Este é um tempo de esperanças e de angústias. A atualidade está grávida do futuro, como classicamente se notou. Afloram novas tendências - a chamada geo-economia, por exemplo -, enquanto reafirmam-se políticas permanentes, como a de poder mundial. Após décadas de repúdio, voltam a ser utilizadas antigas ferramentas de análise, como parece ser o caso da geopolítica.

Poder, geo-economia e geopolitica compõem o campo contemporâneo da segurança internacional. Com o fim da guerra fria, propagou-se a percepção superficial de que, doravante, as diferenças internacionais se confinariam ao campo comercial e financeiro (daí a voga da geo-economia) e que as manifestações de poder político e militar passavam a ser apenas marginais.

As questões de segurança internacional formam um contexto político específico e integrado. Os processos de globalização e regionalização econômica não existem isoladamente, pois se amparam na articulação da ordem política mundial, a qual, por seu turno, é condicionada por considerações de poder que concretamente condicionam.

Durante muito tempo, imaginou-se que a geopolítica e sua pesada tradição histórica - colonial, belicista e expansionista - estavam para sempre sepultadas. Este anúncio era obviamente precipitado. Na verdade, nem se devem separar as concepções geopolíticas das geo-econômicas, nem se poderia realmente omitir a questão do poder da análise político-estratégica.

Nesta fase, registra-se uma espécie de renascimento da geopolítica. A Europa se reorganiza com base em uma geometria flexível, ainda a ser precisada nos campos político, econômico e militar. Na África, expande-se uma inquietante zona de instabilidades que engloba Ruanda, Burundi e Zaire (Congo). Não há sinais de que esse processo, seus fluxos de refugiados e as rivalidades tribais, regionais e globais, nele subjacentes, já estejam sob controle. No Oriente Médio, as conhecidas oposições de forças entre árabes e israelenses se radicalizam, ao mesmo tempo em que persistem tensões no Golfo. A Bacia do Cáspio aparece como um área de dura disputa, em que considerações políticas e econômicas - petróleo - aparecem combinadas. A Ásia central está em transição estratégica. Na Ásia oriental, persiste o jogo de poder que envolve as principais potências com presença regional. Mesmo em nossa região, muito menos tensa, se relança o tema, há tanto tempo em hibernação, da compra de armamentos sofisticados e, à raiz da negociação da ALCA, volta-se a tratar do tema da hegemonia hemisférica.

A novidade é que agora a geopolítica não incorpora apenas esses componentes pesados e tradicionais de planejamento para o conflito, disputas e violências. É verdade que a nova geopolítica continua a preocupar-se com categorias fundamentais do entendimento político-estratégico, que estão nos manuais: o território, sua localização, distribuição espacial, interrelação e complexidade dos fenômenos e das forças em presença. Mas apresenta também facetas inéditas.

Pelo menos três dimensões profundamente inovadoras se incorporam à geopolítica: a construção de espaços regionais, como, por exemplo, a América do Sul e o Mercosul; o dramático despontar do espaço digitalizado mundial, no qual sobressaem a Internet e a televisão; e a expansão de um espaço econômico que se pretende virtualmente desterritorializado, mas que se materializa em fluxos de capital e investimentos diretos.

Em nosso entorno imediato, a nova geopolítica regional rompe com o modelo antigo, consagrado em livros afinal relegados ao fundo das estantes. Desaparece o modelo de desunião e diferenças, baseado no predomínio do desconhecimento recíproco ou nas relações de rivalidade. Concretizam-se os interesses comuns, via cooperação e, sobretudo, integração. Muda, pois, a visão e o destino da América do Sul. Todos saem amplamente ganhadores, ao findar o velho jogo de soma-zero. Os desafios da globalização nos levam a articular um futuro em que a região sul-americana funcione como um todo efetivo e harmônico, em benefício de cada um de nossos países.

Abre-se, por outro lado, um horizonte eletrônico e cibernético global, um novo espaço geopolítico que aproxima os povos e países e no qual nossa região joga sua identidade em formação. A Internet, a televisão, a nova telefonia são as facetas mais visíveis desse bravo novo mundo digitalizado. Seu avesso está nas possibilidades de dominação cultural, - propaganda, interferência eletrônica e criação de discriminação a excluir os que não têm acesso aos meios avançados de informação. Vivemos uma época em que prioridade crescente será dada à segurança das comunicações - à proteção tecnológica da privacidade assegurada pela Constituição e à proteção dos legítimos segredos comerciais e financeiros.

É necessário afirmar presença brasileira na Internet e ampliar a democratização do acesso maciço dos usuários potenciais à rede. Dessa forma, evitaremos ser apenas consumidores de um produto cultural, científico e tecnólogico alheio. A procura crescente estimulará fortemente a ampliação da oferta local de material informativo, na rede, o que já vem ocorrendo. Mais transparência é hoje um ingrediente fundamental da democracia. Em segundo lugar, devemos buscar não a rivalidade e a separação entre o português e o espanhol na rede, mas o reforço mútuo, a firme cooperação na divulgação de ambos os idiomas e a disponibilidade ampla de home pages e de grupos de discussão bilingues.

Finalmente, o processo expansão e globalização dos fluxos financeiros induz uma nova geopolítica mundial de investimentos. O mundo do capital está em transformação, novas tendências, novas possibilidades de ganho e novas pressões se estão desatando. Segundo dados do Banco Mundial, o fluxo líquido de capital privado em direção aos países em desenvolvimento aumentou 5,5 vezes nos seis últimos anos, alcançando $ 244 bilhões de dólares em 1996, enquanto os recursos oficiais passam de uma fase de estagnação para uma de declínio, sendo agora de $ 41 bilhões. A Ásia-Pacífico absorveu, no ano passado, $ 109 bilhões, dos quais apenas a China ficou com $ 52 bilhões (ou seja 21% do total mundial) e a América Latina - Caribe outros $ 74 bilhões.

Acirra-se a competição pela entrada de capitais privados, envolvendo, em 1996, na mesma faixa que o Brasil ($ 15 bilhões, cifra provavelmente subestimada) e a Argentina ($ 11 bilhões) - como as mais fortes economias do Mercosul - países como o México ($ 28 bilhões), Indonésia ($ 18 bilhões), Malásia ($ 16 bilhões) e Tailândia ($ 13 bilhões), o que aconselha um tratamento para a questão que vá muito além da vocação descritiva da geografia econômica.

No novo contexto competitivo mundial, é flagrante a necessidade do melhoramento da coleta, processamento e difusão de informações econômicas, a defesa contra a intrusão por meios eletrônicos e do esforço no campo vital da segurança e privacidade das comunicações.


*Ronaldo Mota Sardenberg é Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

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