A Globalização do poder financeiro


Globalização do poder financeiro

Com a queda das Bolsas dos países asiáticos, no dia 27 de outubro do ano passado, o mundo viu, por um instante, o fantasma da depressão que em 19 de outubro de 1987 e em 28 e 29 de outubro de 1929 assombrou os países capitalistas.

Quem controla os mercados? Os estados ou as instituições financeiras?

Na primeira semana de dezembro de 1997 a editora Galilée lançava em Paris a terceira edição do livro de Ignacio Ramonet, Geopolítica do caos — Mundialização, cybercultura e caos político, que questionava, polemicamente, o futuro das economias globalizadas. O autor, que além de ser economista é também o diretor do conceituado mensal francês Le Monde Diplomatique, em apenas 168 páginas, evidenciava todas as deformações estruturais e políticas da globalização econômica e financeira, desvendando a eficácia das temáticas neoliberais com relação ao poder ajustador do mercado, à livre concorrência e aos fluxos do capital "volátil".

De fato o jornal O Globo — que sempre defendeu a ideologia neoliberal alugando suas páginas ao deputado Roberto Campos —, desta vez não recorreu às prosaicas palavras de seu comentarista "de honra", como fez no mês de setembro, quando Roberto Campos assinou uma "crítica global" contra o livro O horror econômico — o primeiro, publicado nos últimos três anos, que questiona a fundo as teorias econômicas do neoliberalismo. No caso de Geopolítica do caos, O Globo e Roberto Campos se calaram, pois não havia como argumentar e manipular os leitores, logo após a amargura do "pacotão" de Fernando Henrique.

Bretton Woods e o dólar

Ignacio Ramonet chega a afirmar que "...A globalização financeira criou seu próprio Estado multinacional, que dispõe de estruturas, poder de influência e uma metodologia de intervenção própria, elaborada e materializada através da ação do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial; a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE) e a Organização Mundial do Comércio (OMC, ex-GATT)...— sublinhando que — ... O poder desse Estado mundial, que representa o sistema financeiro, é cada vez mais onipresente nas atuais sociedades que, diante disso, acabam de perder seu poder original e a soberania..".

As indagações de Ramonet não influenciaram apenas os economistas "não liberais" de Paris. Elas já começam a contemplar profundos trabalhos de análise crítica ao neoliberalismo fora da França, como o estudo recentemente realizado pelo Grupo de Quebec, presidido pelo professor Michel Choussudovsky (A social-democracia diante da Mundialização) e pelo grupo de Lisboa, dirigido por Ricardo Petrella, que brevemente vai publicar em Bruxelas o estudo Desarmamento financeiro.

Entretanto todos esses trabalhos têm um ponto de partida em comum: Bretton Woods e a Guerra Fria. De fato, em 1944 os Estados Unidos, aproveitando-se do difícil desfecho da Segunda Guerra Mundial, obrigavam seus aliados a aceitar o sistema de paridade fixa do dólar, que, assim passava a ser o indexador principal de todos os sistemas econômicos e cambiais do mundo. Em pouco tempo, a estabilidade das moedas e o volume de reservas adquiriram uma característica ideológica no conflito com o bloco soviético. Pois, para impor o modelo de desenvolvimento capitalista, os estados europeus e os EUA transferiram para as "instituições financeiras" a tarefa de financiar os investimento para o crescimento das infra-estruturas e o desenvolvimento da indústria privada.

O Plano Marshall foi a principal operação da época que permitiu às "instituições financeiras" medir seu poder de influência na definição política e programática das sociedades. Assim foi na "reconstrução" da Alemanha Ocidental com Adenauer e os antigos banqueiros do nazismo. Na Itália com De Gasperi e a aristocracia financeira e industrial monarquista que apostou seu enriquecimento no fascismo. Assim foi nos outros países europeus, no Japão e até na neutra Suécia, onde a poderosa família Wallemberg, após ter trabalhado com o marco do Reicht de Hitler, colocava seus bancos à disposição dos dólares e das libras!!!

Petrodólares e FMI

Em 1971 diante do volume de petro-dólares que inundava os bancos ocidentais, os EUA decidiram acabar com a paridade fixa com o dólar, dando ao setor financeiro ocidental a oportunidade de começar a gerenciar as conseqüências que a crise do petróleo e a política do FMI começavam a determinar nas moedas dos países emergentes.

Durante a década de 80, Ronald Reagan e Margareth Thatcher ao manipular sua política cambial conseguiram transferir o ônus da dívida norteamericana e britânica para os Bancos Centrais dos países do Terceiro Mundo. A valorização do dólar seguida pelas medidas "sugeridas" pelo FMI, entre as quais uma desvalorização progressiva em relação ao dólar e a tomada de empréstimos "em dólares", fez com que os países emergentes do Terceiro Mundo ficassem atolados no pântano da dívida externa, contraída com as instituições financeiras norte-americanas e européias.

Com uma dívida quase impagável em função dos juros altos aplicados pelas instituições financeiras, públicas e privadas do Ocidente, o Citybank, o Barkley, o Banco de Boston, o Standard Chartered, o Merryl, a UBS, o Commerzial Bank, o Banque de Paris, o Credit Lyonnaise e tantos outros, finalmente podem começar a intervir diretamente na política interna dos países devedores. Assim, eles têm a garantia de que não haverá moratória, e o fluxo de pagamentos das taxas de juros continuará constante. Pois o aumento da dívida externa dos países emergentes é fundamental para as instituições financeiras ocidentais, uma vez que é com o fluxo do pagamento das taxas de juros que elas financiam (desta vez a juros baixíssimos) os projetos das multinacionais nos países devedores.

Parece absurdo mas os dólares que o governo brasileiro pedia emprestado ao FMI para pagar o Citybank de Nova Iorque, depois eram redepositados nos cofres do Citybank de São Paulo para financiar os investimentos da Ford ou da General Motors!!!

Entretanto, a produção "moderna" das multinacionais nos países emergentes do Terceiro Mundo, obrigava seus governos a "modernizar também seus mercados com a abertura às importações dos países ocidentais e com a transferência dos lucros do investidor estrangeiro. Por exemplo: o Banco do Japão lucrava com o contínuo refinanciamento da dívida externa de vários países emergentes da Ásia, que pagavam, em média, taxas de 12% a até 18% ao ano. Com esse montante o mesmo banco financiava a implantação de complexos industriais no exterior, vendendo dólares às suas multinacionais (Toyota, Mitsubishi, Honda, JVC, Panasonic etc.) à taxa de 4,2% ao ano, ou dava uma cobertura aos contratos de exportação com um empréstimo em dólares entre 6% e 8%.

Essa prática fez com que as moedas fortes — dólar, marco alemão, dólar canadense, iene japonês, libra e dólar de Hong Kong — começassem a viver de outro tipo de valorização, baseado não no crescimento do seu PIB nacional, mas, sim, na velocidade com que elas cruzavam as políticas cambiais dos países emergentes do Terceiro Mundo.

Praticamente essa é a época em que as multinacionais e os bancos privados estrangeiros se instalam solidamente em quase todos os países do Terceiro Mundo que possuem um potencial econômico ainda não explorado e com um mercado interno quase virgem.

Mas é também o período em que a corrida aos armamentos aeroespaciais alcança as suas extremas conseqüências e Reagan ganha a batalha estratégica sobre a URSS, cujo planejamento financeiro ficou completamente desarticulado, preanunciando sua gradual e definitiva crise.

Tecnologias, capitais e neoliberalismo

No Ocidente a crise de hegemonia estratégica da URSS, antes de tudo, modificou as relações entre o poder político e as instituições financeiras, que ganharam uma maior liberdade de ação na movimentação rápida e imediata dos capitais. Quer dizer, não era mais necessário segurar enormes reservas monetárias para enfrentar uma crise política mundial, que teria feito explodir as cotações do ouro, ou do petróleo ou dos minerais estratégicos (vanádio, nóbio, titânio etc.). A rendição de Gorbachev e a prevista dissolução da URSS com Yeltsin mudavam o quadro do cenário financeiro mundial.

O acelerado fluxo de capitais — por enquanto limitado aos mercados e Bolsas de Valores dos países ocidentais ricos — provocou durante quase dez anos um fantástico movimento de fusões de empresas, de bancos e até de grupos multinacionais, cujo objetivo principal era a valorização de seus ativos nas Bolsas e, conseqüentemente, tentar ter mais lucro ao modificar as relações capital/trabalho com a introdução da tecnologia avançada.

De fato, durante essa década, as instituições financeiras inventaram uma nova commodity — isto é: os investimentos em projetos de pesquisa tecnológica aplicada à metodologia do trabalho industrial, para a produção de novos alimentos e medicamentos e em projetos de mídia com base na informática e telecomunicação. Assim, no fim dos anos oitenta começam a aparecer as novas linhas de montagem automatizadas pela robotrônica que reduzem a força de trabalho nas indústrias. Na realidade a principal caraterística das novas máquinas é de "flexibilizar" a participação intelectual do operário especializado na produção. Quer dizer, com as novas máquinas o operário clássico (e também o funcionário administrativo) desaparece e no seu lugar entra em cena o "operador móvel", que pode ser distribuído entre as várias máquinas ou substituído por uma delas.

Essa revolução tecnológica foi saudada pela turma dos economistas neoliberais, britânicos e norte-americanos, que ao declarar obsoleto o modo de produção tradicional, afirmavam que também a relação capital/trabalho devia ser desregulamentada. Eles indicaram que a produção assalariada, regulamentada pelas leis trabalhistas do Estado Assistencial, deveria ser substituída por um conjunto de prestações de serviços, realizadas por diferentes categorias de associações de "trabalhadores-colaboradores", que são pagos com base em uma pontuação que compreende padrões de qualidade, volume de produtividade, tempo e ritmo de produção. Enfim, um novo tipo de relação capital/trabalho que por um lado minimiza as funções do Estado e por outro tenta acabar com os sindicatos, os benefícios trabalhistas e com os conceitos da classe trabalhadora.

Dragões e Pequenos Tigres

Num primeiro momento as instituições financeiras ocidentais e japonesas utilizaram o parque industrial e as bolsas dos quatro "dragões" asiáticos (Coréia do Sul, Hong Kong, Taiwan e Cingapura) para implementar essa nova relação capital/trabalho, para depois massificar a mesma em todo o sistema industrial dos "pequenos tigres", isto é: Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas, onde o operário é o novo escravo do ano 2000.

Nesses países as taxas de crescimento logo pularam de 1,8% para 8,5% ou até 12%, proporcionando lucros na produção de quase 25% por ano. Quer dizer: uma multinacional que nos EUA ou na Europa demorava quase dez anos para recuperar o valor de um investimento, nesses países necessitava de apenas quatro anos. Por exemplo, uma multinacional que em 1990 investia 300 milhões de dólares para a construção de uma fábrica nas Filipinas, já em 1994 recuperava todo o capital original investido. Além disso possuía um complexo industrial capaz de gerar influências nas autoridades políticas para realizar outros "negócios" e uma fantástica remessa de lucros de até 25% ao ano!!!

Para alimentar esse ciclo, os "dragões" e os "pequenos tigres" asiáticos ficaram cada vez mais dependentes do fluxo de capitais "especulativos" das instituições financeiras ocidentais e japonesas, representadas pelos bancos privados mas, também, pelos bancos estatais, que estacionavam seus capitais voláteis em função das altas taxas de juros, da ausência de uma política trabalhista e dos baixos custos de produção.

A característica desse ciclo foi o crescimento desproporcionado da produção industrial, seguido pelo aumento da dívida externa e interna o que obriga os governantes a hipotecar toda sua reserva monetária e seus recursos minerais. O México, após a "crise tequila", é formalmente proprietário de suas reservas petrolíferas. Na verdade os donos são os bancos norte-americanos e europeus que cobriram o rombo da dívida externa.

Wall Street quebra em 87, em 97 e em 98

A 19 de outubro de 1987 a Bolsa de Valores de Nova Iorque quebrou, registrando uma queda brutal de 12,5% que zerou quase todos os ativos dos acionistas. Mas houve logo uma retomada, graças à intervenção da mídia, que justificou o tropeço de Wall Street apenas "...pelo irracional uso dos Junk Bonds (título de risco norte-americano de longo prazo)...". Nada foi dito e escrito do irracional uso do capital especulativo que já controlava a própria Bolsa de Nova Iorque. Os poucos jornalistas do Washington Post e do Daily Mirror que tentaram denunciar esse fato foram logo afastados das colunas de economia e finança até hoje!!!.

Por exemplo: Donald Trump, dono da American Lines, comprou 55% das ações desvalorizadas de uma pequena empresa de motores aéreos e 30% de seus Junk Bonds. Com a cumplicidade da mídia, jornais e televisões logo anunciavam a futura reestruturação da empresa e isso provocava a imediata valorização de suas ações em Wall Street. Logo a corretora de Donald Trump vendia grande parte de ações adquiridas anteriormente até o início da reestruturação, isto é: o fechamento da empresa, a dispensa "temporária" de 90% de seus trabalhadores até a nova diretoria definir novas opções de mercado. Imediatamente essa operação provocava um processo de desvalorização que acabava quando as corretoras ligadas a Donald Trump haviam conseguido recuperar 90% das ações e 100% dos Junk Bonds. A partir desse momento a empresa era automatizada com a introdução de tecnologia avançada e 35% do seu capital acionário era vendido na Bolsa a preços ainda maiores, enquanto os antigos Junk Bonds eram substituídos por outros, mas com prazo menor.

É claro que esse mecanismo especulativo quebrou em 1987, mas pelo fato de ser apenas norte-americano, não modificou o rumo que os neoliberais queriam continuar a dar à economia mundial, pois o mesmo mecanismo, para sobreviver se espalha para os países emergentes do Terceiro Mundo. E não é por acaso que Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal dos EUA, desautorizava qualquer tipo de crítica, afirmando que em 1987 houve apenas "erros irracionais que não influem no sistema global das transações".

Na realidade a crise de 1987 foi apenas um prelúdio norte-americano que teve alguns reflexos em 1991 e em 1995, para depois explodir violentamente na Ásia em 1997 e continuar a provocar contínuas baixas em todo o mundo já no início de 1998.

Agora, para os neoliberais o grande problema é como salvar o modelo macro-econômico neoliberal e suas instituições políticas. No Brasil, diante da incapacidade de André Lara Rezende e Antônio Kandir de criar uma alternativa que não destrua o palanque do Plano Real, essa operação está sendo realizada pela mídia que tenta desviar a atenção da população, em particular da classe média pelo menos até as eleições de novembro!!!

De fato, para salvar a imagem do Plano Real e do presidente Fernando Henrique —que como os presidentes da Tailândia, das Filipinas, da Malásia e de Cingapura, construiu o processo de estabilidade cambial do Real apoiando-se exclusivamente no fluxo de capital especulativo —, respeitáveis jornais, entre os quais a Gazeta Mercantil e a Tribuna da Imprensa, chegaram a acusar os irmãos bilionários George e Paulo Soros do ataque especulativo à Bolsa de São Paulo, pretendendo convencer seus leitores de que sem os "maldosos gregos bilionários" a Bolsa de São Paulo e o Real estariam fortes e seguros como em 1996!!!

Achille Lollo
Editor do Jornal Nação Brasil


Órgão Oficial da Associação dos Empregados de Furnas