Todos os países, movimentos e forças
políticas estão confrontados pelas novas tendências
econômicas. A disjuntiva da inclusão ou exclusão
no processo contemporâneo de criação de riqueza
está imediatamente presente para cada indivíduo,
assim como tem impacto nos níveis local, nacional, regional
e mundial.
Os grandes temas globais - a meu ver, a revisão
da atual ordem internacional, o desarmamento nuclear, o desenvolvimento
econômico, a exclusão social, a proteção
do meio ambiente, etc. - são também temas que se
colocam nos níveis antes mencionados e que, portanto,
interessam a todos. A definição precisa de quais
sejam esses temas e as vertentes de seu tratamento político
e econômico são objeto de intenso debate e negociação.
O fim do socialismo burocrático criou as
condições políticas para a inauguração
de uma nova etapa na evolução do capitalismo mundial.
Os paradigmas envelhecidos são descartados, antes mesmo
que se pudesse ter uma idéia clara do futuro da ordem econômica
mundial. A realidade mais uma vez pulou à frente da capacidade
de teorização.
Quando parecia agonizar a idéia de progresso,
recobraram ânimo as tendências otimistas apesar da
performance econômica genericamente medíocre do núcleo
central do capitalismo, as economias plenamente desenvolvidas.
Onde escassas esperanças existiam - por exemplo em áreas
atrasadas no mundo asiático - registrou-se uma verdadeira
revolução econômica movida não apenas
pelos recursos do capital estrangeiro, mas por altíssimas
taxas de poupança interna.
O que se passa na Ásia tornou-se subitamente
importante não apenas em Washington ou Berlim, mas em
Brasília e em outras capitais no mundo em desenvolvimento.
Passou a ter impacto global. A China, para dar o exemplo mais
candente, parece correr na trilha que a transformará na
principal potência econômica mundial antes da metade
do próximo século. Quem dúvida disso e aposta
na fragmentação política da China é,
de todo modo, forçado a reconhecer que, há uma década,
esta cresce a 10% ao ano, taxa imprevisível e que era
até tida por impossível. Pode também comparar
o processo chinês com a revolução econômica
que ocorreu com o Japão nas últimas décadas
e meditar na brutal diferença de recursos entre os dois
países.
O que se passa em Brasilia e na generalidade do
país é, por sua vez, escrutinado nas outras capitais
e nos centro financeiros. Dificuldades internas, eventuais e
tópicas que sejam, podem magnificar-se quando a ótica
de seu exame é a da formação das expectativas
do mercado internacional. Política e economia, pois, necessitam
andar juntas,necessitam contribuir reciprocamente para a formação
da estabilidade substantiva e psicológica. Paga-se alto
preço, quando se fabricam crises.
Importa reter que todos os países estão
de olho no futuro, em sua viabilidade e prosperidade e em seu
status internacional a longo prazo. A bse de tudo isso e a
estabilidade econômica e política.Conseqüentemente,
os temas políticos e econômicos aparecem cada vez
mais vinculados e que se torna irrealista tratá-los separadamente.
Não se trata de questão de buscar prestígio
à moda antiga,ou mais modernamente de criar imagem, mas
de cada país preservar-se num sistema mundial e regional
em mutação acelerada, preocupção
que nos é particularmente relevante dadas as dimensões
do Brasil.
Temos que abrir janelas, esfregar os olhos e enxergar
adiante. Um novo mundo está sendo engendrado e é
nosso dever situar o País nesse novo horizonte de possibilidades.
O governo federal e o empresariado aparelham-se
para cumprir seus respectivos papéis. É fundamental
que assim ocorra, tanto no plano interno quanto no externo. Mas
é necessário ir além. A cidadania, o povo
- detentor afinal em nosso regime da soberania - as nossas grandes
regiões, os Estados da federação e os municípios
alcançar condições de tomar posições
próprias diante do processo econômico global. A
imprensa cumpre função central no necessário
processo de esclarecimento público. O mesmo pode-se dizer
da universidade.
Devem-se discutir muito mais amplamente e com
maior profundidade as modalidades de inserção brasileira
na economia mundial. A ênfase deve ser posta nos evidentes
benefícios da globalização, mas também
nas maneiras de defendermo-nos das tendências perversas,
nos modos de superar os efeitos adversos e excludentes. As decisões
de hoje significarão a prosperidade ou a pobreza nas próximas
décadas. Significarão um meio-ambiente sadio ou
degradado e um país integrado ou dilacerado por problemas
econômico e sociais.
Temas como a localização geográfica
dos investimentos, a opção entre seus variados tipos
(industrial, agrícola, no campo dos serviços, como
o lazer), os rumos que toma a questão do emprego, as necessidades
em matéria de ciência e tecnologia devem figurar
claramente no topo da nossa agenda de debate nacional
Ao articularmos nossa visão do futuro,
não deveríamos imaginar o Brasil como um país
pelas metades: um possível país de economia desenvolvida
mas imaturo politicamente; um país próspero em
certas áreas e empobrecido em outras; rico mas injusto,
socialmente em crise ; que preservasse o meio ambiente mas que
sua economia não se desenvolvesse (ou vice -versa); e
com presença e influência em certos foros internacionais
decisórios, mas não em outros.
É seguro que o processo
de globalização econômica e de globalismo
político, que até hoje se nutre de seletividades,
seria impiedoso com um país que assim se programasse.
Os cavaleiros do apocalipse - a fragmentação, a
desintegração, a exclusão e a vulnerabilidade
- ainda caracterizam o nosso tempo. Não seria lícito
esperar que o funcionamento do mercado e a automática
operação dos mecanismos de poder internacional
necessariamente desalojem da sela esses agentes apocalíticos,
no horizonte provável de nossas vidas.
*Embaixador e Secretário de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República.
(Publicado no jornal ¨O Globo¨, em 08/04/96)
SAE