OS ORGANISMOS DE REGULAÇÃO E A ECONOMIA INTERNACIONAL


 

Márcio Rogério Silveira(1)

 

Com a nova intensificação da globalização os Estados ficam cada vez mais vulneráveis, dependentes da entrada de capitais especulativos, atraídos pelos juros altos de seus mercados. Esse capital especulativo, num país subdesenvolvido como o Brasil, é altamente perigoso, pois pode fugir a qualquer momento, à exemplo do que aconteceu no México em 1994 e com os Tigres Asiáticos no primeiro semestre de 1998.

Neste sentido os fluxos de capitais circundantes não podem ficar exclusivamente à mercê das chamadas regras de mercado - para que isso não ocorra é preciso aumentar o controle sobre o sistema financeiro. Claro que estas propostas não são bem vistas pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que reúne os 29 países mais ricos do mundo e que pretende aprovar um acordo multilateral sobre investimentos à nível mundial, limitando os Estados nacionais em executar qualquer regulamentação sobre os capitais estrangeiros investidos no país (capitais na sua grande maioria especulativos). Os capitais financeiros internacionais, por se basearem em algo abstrato como dinheiro, papeis ou similares, podem circular livremente em qualquer mercado nacional que não regulamente a entrada em seu país.

Para incentivar a vinda destes capitais, países como o Brasil, o México e a Argentina adotaram a âncora cambial para a estabilização da inflação. No entanto, esta medida tem efeitos negativos a longo prazo, por dificultar a retomada do crescimento econômico. Uma alternativa, digamos mais segura, pode ser uma banda cambial forte e móvel, que acompanhe a inflação de forma a evitar a valorização artificial da moeda, exatamente o contrário do que tem feito o Brasil, o México e a Argentina. Tais países devem procurar um modelo próprio de desenvolvimento que garanta o crescimento econômico e uma melhor distribuição de renda.

Países como os da América Latina não tiveram, no seu desenvolvimento, um resultado favorável nos últimos anos, pois esse modelo neoliberalizante, sugerido pelo Consenso de Washington, não deve ser adotado indiscriminadamente como regra universal, pois não pode existir um único modelo de desenvolvimento capitalista ou até mesmo "socialista". O Japão, segundo maior participante do Banco Mundial, é um dos países que não adotou um modelo de desenvolvimento padrão, encontrando caminhos próprios de modernidade sem enfraquecer suas estruturas governamentais(2). Tais exemplos só deixam claro que a imposição do Banco Mundial e do FMI, para que os países subdesenvolvidos adotem os conceitos originais do Consenso de Washington, está equivocado.

Alguns dos fatores que poderão ajudar para que um país possa adotar um modelo de desenvolvimento próprio, segundo alguns críticos da economia de mercado, são: maior direcionamento dos recursos públicos aos setores sociais, como ensino público e profissionalizante em todos os níveis; controle mais efetivo da economia pelo Estado nacional; aumento da supervisão dos sistemas bancários, evitando a excessiva especulação financeira; aumento da competitividade através da modernização das indústrias nacionais, para uma inserção na economia mundial com maior capacidade competitiva, inclusive adotando o protecionismo quando necessário para o desenvolvimento de um setor primordial do ponto de vista nacional; respeito à propriedade intelectual, para atrair investimentos externos confiáveis; confiabilidade das instituições, visando garantir a manutenção das regras estáveis do mercado nacional para que não hajam flutuações que inibam investimentos e causam insegurança do mercado internacional.

O desejo de encontrar soluções para os próprios problemas não é apenas mérito do Japão. A China, que inicialmente seguiu o modelo Soviético de desenvolvimento, encontrou seu próprio caminho através de reformas, modernizações e planejamento, unindo a economia socialista à economia de mercado, tornando-se um dos países mais desenvolvidos do mundo, e com pretensão de tornar-se, até o ano 2010 a segunda maior potência econômica mundial. Desta forma, a China procurou seu próprio modelo de desenvolvimento não seguindo um padrão de desenvolvimento capitalista determinado pelo Consenso de Washington, nem por um modelo exclusivamente "socialista".

Os acordos envolvendo as organizações internacionais - tanto comerciais, industriais como financeiras, vivem ora aprovando acordos a favor do desenvolvimento dos países periféricos, ora desqualificando-os. Um exemplo claro de desqualificação dos países subdesenvolvidos aconteceu em 1994 no Uruguai onde o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) e a OMC (Organização Mundial de Comércio) revogaram os acordos anteriores que qualificavam o acesso preferencial dos países em desenvolvimento aos mercados dos países desenvolvidos, além de propiciarem a facultatividade da propriedade industrial.

As margens de proteção à indústria e ao mercado nacional eram favoráveis, deixando, porém, em 1994, de haver tratamento preferencial para os países em desenvolvimento, tornando a economia de mercado, ditada pelas economias mais desenvolvidas, ainda mais cruel. O GATT 94 e a OMC não se limitaram só a acabar com as conquistas anteriores destes países, mas forçou a abertura para as exportações aos países desenvolvidos, que passam a proteger-se contra os produtos agrícolas e têxteis dos países em desenvolvimento. O Brasil, como outros países latino-americanos, não só aceitam estas imposições como não desenvolvem políticas de proteção às suas indústrias (protecionismo). Vejamos alguns exemplos de protecionismo do mercado dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros:

taxa às exportações de suco de laranja brasileiro em aproximadamente 50%;

exige que 75% dos cigarros fabricados em outros países usem matéria-prima local;

proíbe as importações de carnes e aves, desqualificando um dos maiores parques agro-industriais do mundo, localizado na região Oeste de Santa Catarina;

elimina quase que completamente as exportações de gasolina brasileira para seu país.

As exportações para a União Européia não tem sido muito diferente, e o Brasil exporta apenas poucas quantidades de matérias-primas, que, geralmente, acabam voltando em forma de produtos manufaturados.

Todas essas modificações favorecem as grandes corporações, que hoje dominam o mercado mundial, interessadas em reduzir ao mínimo a interferência dos Estados nacionais nas suas estratégias mundiais de negociações.

A imagem que se tem desse processo global de integração econômica é que ela é inevitável, mas na realidade existem idéias contrárias como a do Professor Ricardo Petrella, Titular da Cadeira de globalização na Universidade de Louvain, na Bélgica, que propôs a organização de formas cooperativas de desenvolvimento através de criação de um Conselho de Segurança Econômica nas Nações Unidas. Seus objetivos são o desenvolvimento ecologicamente sustentável, a luta contra a economia clandestina e criminosa dos grupos mafiosos e a desmistificação de que a globalização em marcha atualmente é a única possível e de que nenhum país é capaz de detê-la: ou atraem investimentos ou morrem.

A economia de mercado, sem controle, pode levar à uma superprodução e por conseguinte à uma crise nunca antes vista em toda História do capitalismo, podendo causar a diminuição da longividade dos ciclos longos de Kondratieff(3) ou tornando a fase depressiva mais duradoura. Tudo devido a um conceito de produtividade baseado apenas em termos monetários, onde há uma penalidade do capitalismo industrial em detrimento do capitalismo financeiro, levando a uma transferência de custos à comunidade subdesenvolvida.

Para avaliar o tamanho da crise que provoca o livre comércio, o FMI previu que a economia mundial crescerá 3,1% em 1998 - uma queda de 1% em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) do ano passado, que já se encontrava baixo. O Brasil segue essa tendência devendo crescer 1,5% em 1998 e sendo o principal país a puxar os índices de crescimento da América Latina para baixo - de 8,4% em 1997 para 3,4% em 1998. Como mostra a tabela:

 

 

 

PIB e Inflação

(evolução das taxas no mundo)

 

Produto Interno Bruto

(em %)

Preço ao Consumidor

(em %)

Países desenvolvidos

1996

1997

1998

1996

1997

1998

EUA

2.8

3.8

2.9

2.9

2.3

2.0

Japão

3.9

0.9

-0.0

0.1

1.7

0.9

Alemanha

1.4

2.2

2.5

1.5

1.8

1.6

França

1.5

2.4

2.9

2.0

1.2

1.4

Itália

0.7

1.5

2.3

3.9

1.7

1.8

Reino Unido

2.2

3.3

2.3

2.9

2.8

2.9

Canadá

1.2

3.8

3.2

1.6

1.4

1.5

Ásia            
Coréia

7.1

5.5

-0.8

4.9

4.5

10.5

Taiwan

5.7

6.9

5.0

3.1

1.1

4.0

Hong Kong

4.9

5.3

3.0

5.2

6.5

4.5

Cingapura

6.9

7.8

3.5

1.4

2.0

2.5

América Latina            
Argentina

4.2

8.4

5.5

0.2

0.8

0.3

Brasil

2.8

3.0

1.5

15.5

6.0

3.3

Chile

7.2

6.6

6.0

7.4

6.2

5.1

Colômbia

2.0

3.2

4.0

20.8

18.5

19.0

República Dominicana

7.3

8.2

5.5

5.4

8.4

5.7

Equador

2.0

3.3

2.5

24.4

30.6

28.1

Guatemala

3.0

4.1

4.4

11.0

9.4

6.6

México

5.2

7.0

4.8

34.4

20.6

13.4

Peru

2.6

7.5

5.0

11.5

8.6

6.1

Uruguai

4.9

6.0

3.0

28.3

19.8

9.9

Venezuela

0.4

5.1

3.3

99.9

50.0

33.1

Fonte: FMI

 

O volume de comércio mundial, segundo o FMI, também terá uma queda de 9% de 1997 para cerca de 6,5% em 1998.

Outro vilão das negociações é o MAI (Acordo Multilateral sobre Investimentos) que procura discutir sobre um acordo internacional na área de investimentos externos, visando dar todas as vantagens aos investimentos da parte mais rica do mundo, deixando os países em desenvolvimento numa situação difícil, parecendo ser muito mais um exercício de neocolonialismo, pois não podem negociar concessões em matéria de investimentos estrangeiros para buscar vantagens em outras áreas, como um acesso maior ao mercado dos países ricos, para vender seus produtos agrícolas. Os países desenvolvidos como os EUA e a UE procuram e conseguem fazer concessões no acordo do MAI, mas os países subdesenvolvidos não participaram das discussões, e irão praticamente assinar um documento em branco. O que os membros do MAI querem passar à comunidade internacional é idéia de que com os investimentos a serem liberalizados erradicarão a miséria do mundo em vinte anos. Os países Asiáticos, no entanto, quase foram a lona e servem de exemplo bem claro de que isso não é verdade (devido à recente especulação de suas bolsas). O MAI é uma inovação excepcionalmente ousada no campo do direito das relações internacionais, porque coloca no mesmo nível legal governos locais, regionais ou nacionais e empresas multinacionais. A sociedade civil fica fora de todo esse processo de decisões, não podendo pressionar para que haja qualquer resolução favorável à ela.


NOTAS

(1) Aluno do Curso de Geografia da Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC.

(2) O Japão mesmo depois de ter sido derrotado na Segunda Guerra Mundial ainda adota a monarquia parlamentarista. E exerce um forte protecionismo sobre sua economia, mostrando ao mundo um exemplo claro de modelo próprio de desenvolvimento.

(3) "Nikolai Kondratieff, economista russo, descobriu na década de 20, a partir do estudo da estatísticas econômicas referentes à Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos desde fins do século XVIII até início do século XX, que a economia capitalista industrial caracterizava-se por conter e se condicionar aos ciclos longos com 50 anos de duração aproximada, sendo a primeira metade ascendente (fase 'a') e a Segunda depressiva (fase'b') nas fases ascendente eram postas em pratica invenções tecnológicas básicas, que elevam fortemente a produtividade do trabalho (maquina à vapor para a 1a revolução industrial), e sendo paulatinamente estendidas a toda economia acabavam baixando a taxa de lucro, desestimulando os investimentos e provocando uma fase de depressão (fase b do ciclo longo), na qual novamente eram gestadas mudanças tecnológicas básicas, que postas em pratica elevam a taxa de lucro, garantindo a retomada dos investimentos e da expansão (fase a do novo ciclo longo)" (MAMIGONIAN, 1987: 65-6).


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