Ignacy Sachs, globalização e o Consenso de Washington


Amigo Francês de Fernando Henrique condena globalização

Ao contrário do que se apregoa, a globalização não desfruta de consenso internacional. Muito pelo contrário. Se dependesse de um dos melhores amigos do presidente Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Ignacy Sachs, diretor do Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo, um dos departamentos da Escola de Altos Estudos de Paris, os países em desenvolvimento estariam hoje em franca campanha contra a globalização.

Sachs, que esteve em Brasília em agosto, a convite de Fernando Henrique Cardoso, seu velho amigo dos tempos da Sorbonne (Universidade de Paris), defende um novo modelo de desenvolvimento para os países latinos, que a seu ver devem evitar a globalização, cujos pressupostos não significam uma receita comum que possa ser aplicada indiscriminadamente a qualquer nação.

"Um relatório das Nações Unidas afirma que os países não podem fazer nada diante da força avassaladora da globalização. É um erro. Não somente podem, como devem lutar contra isso, porque a globalização não é o caminho para o crescimento da América Latina", advertiu o cientista político, acrescentando: "A globalização está longe de ser um processo avassalador que não se pode enfrentar. A América Latina não deve capitular."

Durante palestra na coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sachs citou um livro escrito por Fernando Henrique Cardoso ("As Idéias em seu Lugar") para reforçar sua argumentação. No livro, FHC defende a necessidade de os governos adotarem políticas econômicas autônomas.

Baseado na tese do hoje presidente brasileiro, diz o diretor da Escola de Altos Estudos de Pares que no caso da América Latina a globalização mantém as desigualdades sociais do continente, geradas por um equivocado modelo de desenvolvimento, que absorve os trabalhadores qualificados e exclui o restante da mão-de-obra.

O novo modelo de desenvolvimento apregoado por Ignacy Sachs (autor do livro "Estratégias de Transição para o Século XXI"), começa na definição de uma efetiva diretriz agrária. "não conheço outro país no mundo com melhor condição de fazer uma política no campo baseada na produção familiar", acentua.

A seu ver, o crescimento do mercado de trabalho no Brasil não pode se dar através da ampliação das vagas nos setores industriais e de serviços. Por isso, acha que a única saída é o desenvolvimento rural. Assinala, ainda, que no Brasil há atualmente 1,8 bilhão de quilômetros quadrados de terras agricultáveis, das quais a metade está sendo usada indevidamente como pasto. E defende que a metade dessa área seja utilizada para cultivo, através de uma reforma agrária ampla.

"Dados da ONU mostram que no Brasil o custo para assentar uma família, que vai gerar uma renda superior a 3 salários mínimos, não ultrapassa US$ 15 mil. Onde mais se pode investir apenas US$ 15 mil e, com isso, tornar viável uma renda mensal de US$ 300 ?" indaga o amigo de Fernando Henrique Cardoso.

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Multinacionais só investem nos países de origem

As idéias de Sachs fazem cada vez mais sentido. Em recente artigo na Folha de São Paulo, o professor Paulo Nogueira Batista Jr, da Fundação Getúlio Vargas, cita um livro recentemente publicado na Inglaterra pelos economistas Paul Hirst e Graham Thompson, mostrando que cerca de 70% a 75% do valor adicionado nas grandes transnacionais dos países desenvolvidos são produzidos na base nacional dessas empresas. E o que é pior: apenas 10% a 30% da atividade tecnológica desses empresas acontecem nas subsidiárias em outros países.

Pesquisa anterior, Pari Patel e Keith Pavitt, da Universidade de Sussex, já mostrara que as grandes multinacionais sempre concentram nos países de origem suas atividades de pesquisa e desenvolvimento. A produção de tecnologia, portanto, continua a ser um caso importante de "não-globalização", segundo Nogueira Batista Jr., que vai além: em 1991, apenas 2% dos membros dos conselhos de administração das grandes multinacionais americanas eram estrangeiros. E a revista The Economist acrescenta que, nas transnacionais japonesas, diretores estrangeiros são tão raros quanto lutadores britânicos de sumô.

Num seminário que o Banco Interamericano de Desenvolvimento promoveu no principio de setembro, em Washington, Williamson surpreendeu a platéia ao defender alterações nos dez princípios por ele enunciados em 1989 e que passaram a ser conhecidos como Consenso de Washington, hoje adotados por governantes dos mais diversos países em desenvolvimento, sobretudo na América Latina.

Logo de início, o economista norte-americano ressalvou que o Consenso de Washington jamais deveria ter sido considerado uma doutrina essencialmente neoliberal. Destacou também que não estava abandonando as teorias originais, mas apenas adaptando-as.

Em sua visão, tornou-se fundamental a criação de instrumentos que possibilitem um maior direcionamento da economia, que não pode ficar exclusivamente à mercê das chamadas regras do mercado. Recomendou especificamente, que é preciso aumentar o controle sobre o sistema bancário.

Williamson defendeu cautela na questão do câmbio. Reconhecendo que a âncora cambial é uma medida eficaz para derrotar a hiperinflação, ressalvou que sua adoção prolongada tem efeito negativo, por dificultar a retomada do crescimento econômico. Ele recomenda que se adote uma banda cambial móvel, que acompanhe a inflação, de forma a evitar a valorização artificial da moeda, exatamente o contrário do que tem feito a Argentina e mesmo o Brasil.

Disse, ainda, que é preciso com que os países em desenvolvimento adotem políticas liberalizantes que tenham uma preocupação social, sobretudo no que diz respeito à educação e ao ensino profissionalizante, com ênfase para os níveis mais básicos.

Outra preocupação do economista norte-americano é a questão ambiental, especialmente nos países mais pobres, onde a devastação vem sendo fruto da própria miséria das populações.

No caso da América Latina, Williamson salientou que o fantasma da hiperinflação já está superado, mas os governos ainda não conseguiram um modelo adequado que garanta o crescimento econômico e uma melhor distribuição de renda.

Na verdade, a receita neoliberalizante adotada pelos países latino-americanos, inspirada pelo Consenso de Washington, acabou se tornando um empecilho à retomada do desenvolvimento sustentado. E o seminário promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento teve justamente o objetivo de discutir por que a América Latina não teve resultados tão favoráveis quanto os tigres asiáticos.

Ao participar do debates, o diretor de Assuntos Financeiros do Ministério das Finanças do Japão, Eisuke Sakakibara, assinalou que não pode existir um modelo único de capitalismo, a ser adotado indiscriminadamente por todas as nações. E afastou qualquer possibilidade de que regras como as preconizadas pelo Consenso de Washington, atualizadas ou não, possam ser transformadas em receita universal.

O Japão, na realidade, sempre adotou um estilo próprio de desenvolvimento. Há alguns anos, em plena vigência do Consenso de Washington, o governo japonês, que é o segundo maior participante do Banco Mundial, fez uma advertência à instituição, recomendando cautela nas políticas de enxugamento do Estado em países do terceiro mundo. E citou o próprio exemplo do Japão e da Coréia do Sul, como nações que encontraram caminhos da modernidade sem enfraquecerem demais suas estruturas governamentais.

Somente agora o economista Williamson está revendo os conceitos do Consenso de Washington, para adotar justamente uma diretriz mais próxima às recomendações do governo japonês. Essa decisão é muito importante, porque nós últimos anos o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional praticamente impuseram os conceitos originais do Consenso de Washington aos mais diferentes países que tiveram de recorrer às duas instituições.

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Os novos critérios do Consenso de Washington

As novas diretrizes do Consenso de Washington, na visão do economista John Williamson, são as seguintes:

  • Restrições ao consumo e incentivo à poupança, para diminuir a dependência de recursos externos.
  • Rígido controle dos gastos públicos, de forma a evitar a formação de déficits que provoquem inflação.
  • Maior direcionamento dos recursos públicos para setores sociais, com ênfase no ensino básico e profissionalizante.
  • Criação de mecanismos que propiciem um controle mais efetivo da economia, para evitar distorções.
  • Aumentar a supervisão dos sistemas bancários, visando a evitar excessiva especulação financeira.
  • Abertura comercial, para propiciar o estímulo à competitividade pelas empresas locais.
  • Liberdade cambial, evitando-se artificialismos na cotação da moeda.
  • Aumento da competitividade , através da modernização das indústrias, para inserção na economia globalizada.
  • Respeito a propriedade intelectual, para atrair investimentos externos.
  • Confiabilidade das instituições, visando garantir a manutenção de regras estáveis no mercado.
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    Órgão Oficial da Associação dos Empregados de Furnas